15.11.08

Choro

Havia certas manhas em que eu me despertava e entre as névoas do sonho e a percepçao da realidade, enquanto abria os olhos, pelos meus ouvidos entravam sons que eu ia distinguindo pouco a pouco. Cambaleante, saía da cama e procurava a porta para ganhar a luz do amanhecer e, neste trajeto, percebia que alguém já estava suficientemente inspirado para melhorar ainda mais meu dia. Acercando-me da porta de outro quarto, olhava para ele. Sem notar minha presença, continuava a tocar e às vezes a cantar cançoes ora alegres, ora de uma tristeza fina, quase elegante. Muitas daquelas manhas eu fiquei ali, encostada no cantinho da porta para nao ser notada, esfregando os olhos e olhando para ele. E ele olhava para a janela enquanto tocava, como se a luz do sol ou as nuvens de um dia nublado fossem suas mais profundas e verdadeiras inspiraçoes. Quando terminava um tema, solenemente abaixava a cabeça e ficava assim, alguns instantes, como se ouvisse aplausos de uma platéia imaginária. Eu nunca o aplaudia naquelas manhas. Depois, quando também me arrisquei a cantar, formávamos duetos memoráveis (pelo menos para ele e para mim...e quem precisava de mais platéia?). Essa noite fui ver uma apresentaçao de chorinho e senti uma vontade enorme de aplaudir. Aplaudir e abraçar meu músico particular, velho pai.

Nenhum comentário: