28.4.08

Melodia

Sábado à tarde, sem trabalho a fazer e um convite irresistível para aproveitar o dia: show no Teatro Municipal. De graça. Tirando todos os inconvenientes desde tipo de programa (horário, fila, público heterogêneo), eu não podia dizer não. Ainda mais para ver e ouvir o artista que tanto já embalou nossos amores. Já do lado de dentro, contemplo com os mesmos olhos de admiração, que tinha em nosso primeiro encontro, este monumento vivo de arte e de história da nossa velha e judiada São Paulo. É como se o tempo, ali, houvesse parado e fosse possível reviver toda a magnitude de uma época de pujança. Sentei-me, acompanhada de amigas, e sem atrasos, ele começa. “Vamos passear na praça enquanto o lobo não vem” ecoa em meus ouvidos e me leva de volta ao início daqueles cinco anos. Uma sensação estranha percorre meu corpo...É a emoção de ouvi-lo ali, pertinho. É a chegada daquela avalanche de emoções e recordações tão bem guardadas lá embaixo, bem no fundo. Eu já esperava por isso e me deixei levar porque “sou forte feito cobra coral”. “Ai de mim, de nós dois”, pensei tantas vezes nas nossas rusgas que nunca chegavam a ser brigas. E assim fomos indo dia após dia, mês após mês, ano após ano. Mais eis que “fico manso, amanso a dor”, não é hora de debulhar-me. Talvez eu quisesse que você estivesse ali. Talvez. “O sol vermelho é o clarão do dia”, ele cantava “pra aquietar”. Uma leva alegria invadiu-me e tirou de cena um certo ranso e pôs na roda lembranças coloridas do nosso romance. Você cantava a letra errada, dançava desengonçado na sala. E eu ria. Achava-o bobo, mas você era o meu bobo, então estava tudo bem. E de tudo que passamos, felizmente “ninguém morreu, ninguém morreu”. Esta foi a certeza que me deu ânimo novo. Eu queria te dizer, naquela hora velha “tente passar pelo estou passando”, porque meu ciúme me fazia ver coisas, inventar situações, maltrava-me e, assim, mutilávamo-nos. “Pérola negra, te amo, te amo...” eu ouvia ele cantar na sala enquanto lavava a louça na cozinha, numa tentativa quase sempre frustrada de botar ordem na casa. Ou na gente. E então ele entoou “Super eu, Super eu”, que tanto você gostava de cantarolar, mesmo sem saber o resto da letra. Eu sempre achava graça. Ao final de muitas conversas eu me sentia mesmo “um caco de telha, um caco de vidro”, coisas da vida a dois. Quando enfim lembrei que aquele show era uma espécie de despedida de tantas coisas, agora que estou de partida para longe, escuto “Um dia volto digo, você não foi comigo/ Porque não leu o meu signo”. Será que realmente direi isso a você? E pra terminar, um forró. Meus ouvidos agradeceram. Meus lábios se rasgaram em sorrisos. Meu coração se ressentiu, mas ao final me perdoou. Meus olhos marejaram, mas não se precipitaram. Por dentro, talvez. Talvez eu quisesse que você estivesse lá, ouvindo as melodias que Melodia cantou para nós. Talvez eu quisesse...Talvez.

3 comentários:

Adriádene disse...

De novo você se despe, se rasga, e o que poderia ser só dor e melancolia, apesar de prosa, soa como poesia. Lindo!!! Beijos mil!!!

J.F. de Souza disse...

Gosto da maneira que você escreve, mulher...
É de uma leveza incrível! Mesmo este, que tem um tom de melancolia, não se lança com o peso que é inerente a tal sentimento...
É realmente prazeroso de se ler...

Até!

Anônimo disse...

Como pode, tanto sentimento ser derramado assim, t�o naturalmente? N�o conhe�o mais nigu�m que consegue fazer isso ... sem d�vidas vc tem o dom da letra! bjs

Jana