29.1.08

Guerreira

“Marta, Marta...”. O trabalhador repetia isso quando a via passar próxima à seu negócio de churrasquinhos, em plena madrugada. Toda noite ela passava por ali, sempre trajando saias curtíssimas, ou vestidinhos igualmente curtos, usando saltos muito altos, brincos extravagantes e pouca maquiagem. Muitas vezes apenas delineador de olhos e o chamativo batom vermelho. Os lábios, finos e um tanto ressequidos, traziam marcas de expressão nos cantos, sinais indeléveis do trabalho árduo. Via-a ali todas as noites. E o que sempre me chamou mais a atenção, além do corpo bem torneado, era a expressão triste e vaga de seus olhos. Uns olhos de alguém que não estava mais presente, que já havia se ido há muito tempo, mas que a circunstância e o corpo não deixavam partir de vez. Um ser intrigante. A passos ligeiros chegava com suas coxas grossas de fora a pedir ou pagar algo. “Peguei duas cervejas, são R$ 4,00, mais os R$ 6,00 que eu devia do uísque são esses R$ 10,00”. Mal pagava e já perguntava: “Lúcia, posso pegar mais uma branquinha pra pagar mais tarde”. Nunca vi ninguém recusando nenhum pedido seu. Depois de encher o copinho plástico do líquido ardente, saia a beber e caminhar, a passos igualmente apressados, para outro canto da praça. O trabalho ainda não havia terminado. “Quero chegar aos 58 com essa saúde!”. A revelação da idade atingiu-me como uma martelada. Marta. Uma guerreira de verdade.

Um comentário:

J.F. de Souza disse...

Olha, mulher... Isso me deu uma idéia prum bom escrito...


Fui!