5.4.06

Gostos

Nunca gostei de pêlos em abundância. Tirando as partes em que eles são realmente necessários ou de difícil remoção, não gosto deles. E ele os tinha em grau tão elevado que a abertura da gola, na camisa pólo, denunciava o exagero. Tirando este detalhe, era um homem alto, forte, moreno até o osso, de ótimas maneiras. Sempre tratava-me com carinho, com palavras doces. A impressão que dava era que podia tratar com ele qualquer assunto pois teria ali um amigo. Quando chegamos ao verão e os panos foram diminuindo por conta do calor, percebi que nem tudo podia ser abordado com a tal figura. Certo dia, ao comentar com uma amiga que sentia-me gorda, olhou-me da mesma forma que um cão faminto vislimbra uma TV de cachorro na padaria. Quando todos saíram da sala, disse perto de mim: “com o perdão da expressão, você não está gorda coisa alguma, está é gostosa”. Fiquei sem reação. Nossas conversas se resumiram a bons dias ou boas tardes. Num dia trágico, saindo para o almoço, tive de descer sozinha com ele no elevador. Quase me prensou numa das paredes. Queria saber porque mudara meu comportamento. Disse apenas que ele havia confundido alguma coisa. Sem mais nem menos, tascou-me um beijo. Retribuí como pude, pega tão surpreendentemente pela situação. Ao sair do elevador, só conseguia lembrar daqueles pêlos saindo da gola da pólo. Não tive apetite para almoçar naquele dia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como disse uma grande amiga: os pelos são a prova suprema do nosso passado de macaco... e eu não gosto nem um pouco de macacos!

Anônimo disse...

rs...
às vezes deve ser duro ser mulher, hein?