24.8.08

Branco

Olhando agora, justamente para estas lembranças antigas, percebo que os anos que se passaram entre o ontem e o hoje cobriram de poeira muitas passagens doces e doídas daquela jornada. Não era sem dor que eu coloca os olhos nas fotos que mostravam momentos marcantes da vida dele. "Eu deveria estar ali", pensava. Onde eu estava, então? No meu modo pequeno de ver as coisas eu deveria ter estado ao lado dele desde sempre. Por isso me ressentia ao ver outro sorriso brilhando nos retratos, junto a ele, que não o meu. Torturava-me compondo todas as cenas de antes, durante e depois daqueles flashes. Como se a minha vida e meus acontecimentos não valessem de nada e que a única coisa que realmente importasse fosse a pergunta: onde eu estava que não ali? Foram duras as noites e pesadas as tardes em que me consumi nesse absurdo. Primavera, verão, outono e inverno se sobrepuseram desde então e me encontrei, numa tarde dessas, novamente olhando fotos. A cada nova imagem que aparecia a minha frente, uma nova história e um novo pequeno mundo se avizinhava. Escutei maravilhada cada vírgula e consegui enxergar mais cor em cada pose. Em momento nenhum senti vontade de ter estado em alguma daquelas ocasiões. O que me realmente me encheu de alegria foi saber, institivamente, que ainda tenho umas boas páginas em branco do livro da Vida para preencher. Com fotos e tudo o mais que eu assim quiser.

27.7.08

Vermelho

Será mesmo uma grande coincidência ou no mundo podemos encontrar, em partes distantes ou próximas de nossa realidade cotidiana, cópias de pessoas que conhecemos? A verdade é que quando nos enconrtamos pela primeira vez eu sequer parei para olhá-lo. Dreads nunca foram um ponto de atraçao para mim. Exceto em casos muito raros. Dias depois, comecei a encontrar pontos em comum muito interessantes entre nós. Nossa amizade progredia. Mesmo assim, nao o achava atraente, mas me encantava algumas formas muito pessoais suas de agir. Creio que nunca vi um homem tratar crianças com tanto respeito quanto ele. Falavam de igual para igual, sempre. Aos idosos, uma atençao muito especial. E além de tudo isso, era ele quem sempre ficava até mais tarde comigo a beber e a fazer piada de tudo. Da minha forma atabalhoada de ir e vir na cidade, da minha mania de sorrir ou gargalhar por tudo, até por coisas aparentemente sérias. E pouco a pouco fomos nos aproximando mais e mais. Numa noite, em um cinema ao ar livre, tive uma dúvida cruel sobre o que seria de nós dali pra frente se misturássemos nossa amizade com o desejo de ir além. Creio que ele pensava exatamente a mesma coisa enquanto esfregava as maos em minhas pernas para aquecê-las do frio. Estávamos próximos de todas as formas. Corpos envoltos em mantas, braços dados, pernas entrelaçadas. Mais que isso, só mesmo se estivéssemos desnudos. Até que uma noite, bebendo sozinhos num bar, eu resolvi pagar para ver. Ainda penso que ele é uma espécie de cópia melhorada de um ser há muito por mim amado. Valeu a pena ir aos poucos...Agora vivo em duas casas. Na minha, de fato. E num chill out vermelho, cercada de incensos, música e um certo tipo de amor.

5.7.08

Azul

Havia uma luz diferente naqueles olhos. Se fosse uma pessoa tímida, diria que estar assim, debaixo daquele faixo, me deixaria totalmente envergonhada. Por sorte não foi o que ocorreu. A noite era plena, fazia um tempo maravilhoso, havia muita comemoração pelas ruas, bandeiras sendo agitadas aqui e ali e pessoas se abraçando e se felicitando todo o tempo. Não era Reveillón. Não era Natal. Nem era uma festa religiosa. Simplesmente se comemorava um campeonato de futebol. O motivo era mais que perfeito para estar com os amigos, a beber, sorrir e festejar. Fizemos tudo isso. Até que esta luz chegou a mim, de forma inequívoca. Firme, forte definitivamente assertiva. De pronto não tive muito o que fazer, apenas aproveitá-la e, se possível, num outro momento, desfrutá-la de outra forma. Dias depois voltamos, todos do grupo, a nos reunir. Sabia que aquela luz novamente brilhava para mim. Eu já nem me recordava como era ser abordada dessa forma por um homem. Então ele veio e me cobriu de beijos, abraços e de azul. Aqueles olhos...eu sentia que podia me perder naquela profundidade. Eu queria me perder. Mas eu não podia. Depois de muita insistência nos despedimos, era tarde e eu precisava descansar. Fui para a cama com a imagem daqueles olhos. E na boca um gosto de azul.

1.6.08

Início

Dizem que, com o tempo, tendemos a esquecer momentos desagradáveis em relações e relacionamentos e preservar apenas as boas recordações. Pode ser. Aliás, é bem verdade. Mas também é verdade que algo desencadeia uma série de lembranças que ficaram há muito esquecidas. "O que vamos fazer hoje?", perguntava ele; "Quero sair, ver gente", era quase sempre a minha resposta. Estava cansada daquele namoro eu-e-você-você-e-eu, nós quatro. Sempre que me era dada a oportunidade de escolher o que fazer eu queria ver o mundo, estar com pessoas por perto, vê-las conversando animadamente, comendo, bebendo, curtindo uma noite agradável ao lado de amigos ou pares e afins. Quase nunca ele optavapor esses programas. Sempre foi a favor do "em casa é sempre mais gostoso". No auge dos meus vinte anos ficar em casa era tudo que eu não queria. Sentia-me por vezes presa, por vezes forçando algo que não era da vontade dele, ou mesmo, às vezes, me sentia incumbida da missão de levá-lo ou trazê-lo para fora, tirá-lo do casco. Em represália, em algumas ocasiões, mantinha-se calado, bebendo e olhando para o copo ou ao redor dele, mas não para mim. Doía-me profundamente aquele comportamento. Olhando e relembrando estes momentos, sinto que ali já começava a querer o mundo para mim, por perto, desejava fazer parte dele enquanto ser pulsante que era e que sou. A companhia já não se encontra mais, talvez felizmente. Mas a vontade de estar no mundo, solta, aumentou, e a cada dia gera nosos frutos. Sinto-me feliz de ter, nem que por poucos anos, levado um pouco mais de vida a ele. Esteja ele onde estiver.

29.5.08

Pros velhos

Na cozinha, lavando tudo que havia sujado depois do meu café da tarde, resolvi aproveitar o tempo livre e a vontade de fazer algo por eles, depois de tanto tempo relapsa. Espremi as laranjas para um suco (sugestão do meu pai), ia fazer o arroz e lá veio meu velho querendo que eu deixasse tudo como estava, que ele mesmo ia fazer. Como se tivesse medo de que eu me zangasse por estar na cozinha, fazendo o jantar para toda a família. Pensei que não tenho passado uma boa imagem para eles. Continuei no firme propósito de arranjar tudo com o maior carinho possível. A carne fresca que ele trouxera ainda há pouquíssimo, nas minhas mãos viraram suculentos bifes, levemente batidos e temperados ao gosto dele: pouco sal e pouco tempero. Quem quisesse que colocasse mais no prato, se julgasse necessário. Encontrei abobrinhas frescas e resolvi fazê-las refogadas. Aproveitei e lavei alguns pés de alface para a salada irmão...E fiz tudo com o maior gosto. Fazia tanto tempo que não cozinhava, nem pra mim e tampouco para eles. Minha velha chegou do trabalho e ficou contentíssima de me ver, àquela hora, em casa e ainda cozinhando. Assim poupei mais um trabalho dela: arrumar o jantar depois de labutar o dia todo. Depois, lavei tudo, sequei, guardei. Já no quarto, sentada para este post, ouço meu velho, da sala: "filha, sua comida estava dez!". Ganhei a noite.

15.5.08

Caixinha

Eu queria colocar todos os meus amigos numa caixinha e levá-los comigo para onde quer que eu fosse. Colocaria nela também todos os momentos felizes e marcantes da minha trajetória na Terra, minhas lições de vida e tudo o mais que me agrada para poder ter ali, sempre à mão. Como se com a simples abertura da caixa, eu pudesse reviver cada momento importante, pudesse abraçar e beijar cada ente querido. Não como fotografias velhas, amareladas e empoeiradas, mas sim em cores vibrantes e clima de festa.

Porém, isolados de seus contextos, sem tudo aquilo que lhes dá sentido, meus amigos não seriam as pessoas que conheço. Ficariam reduzidos a caricaturas daqueles seres incríveis por quem me encantei.
Eu não poderia levar meus amigos numa caixinha...

As lembranças boas percebo que também não poderiam ser levadas nesta caixinha. Há o inconveniente do tamanho, do espaço para tantos acontecimentos incríveis pelos quais passei nestes anos de caminhada.
É, minhas lembranças também não poderiam ir nessa caixinha...

E o que dizer de todos os ensinamentos que tive até hoje e outros tantos que ainda – espero – terei pela frente? Não caberia nem a pontinha de alguns deles, tamanho crescimento me trouxeram. Sem contar as inúmeras lições que não aprendi de primeira e ainda estão por serem refeitas. Tá bom, tá bom, os ensinamentos também não caberiam nessa caixinha.

E, ao final de tanto pensar, acabei ficando com raiva desta idéia amalucada. Que bobeira querer botar tudo numa caixa e carregar por aí. E se um estranho tem o atrevimento de remexer minhas coisas, olhar tudo que tenho de mais precioso sem o meu consentimento? E se porventura ou descuido eu perdesse algo pelo caminho, como iria encontrar?

Muita elucubração depois percebi que tudo isto já está a salvo e muito bem guardado em outro lugar, muito mais seguro, secreto e longe de curiosos. Só não posso dizer que seja um lugar calmo, mas com o tempo tudo se ajeita. Afinal, este lugar tão singular, não tem tamanho pré-definido e nem pede a seus moradores senha ou pagamento. As lembranças estão sempre ali, em arquivos fáceis de serem alcançados. Os ensinamentos também, tudo bonitinho. Só não posso dizer que esteja tudo organizado. Sabe como é...a cada hora entra uma novidade, então fica meio complicado.

Mas não haveria lugar melhor para guardar tudo de mais precioso que consegui nesta vida. E mesmo longe, onde os olhos não alcancem, onde as mãos não toquem, onde os braços não enlacem e nem os pés cheguem perto, saibam, que os levarei sempre, sempre, sempre, bem aqui, dentro do peito. No fundo e no raso do meu coração. Até.

(a todos os meus amigos do café...)

9.5.08

Rápidas

Hoje vejo mais claramente o que realmente ele buscava quando tivemos coragem de sermos adultos e dar cabo de nossa relação. Poucos dias depois ele já estava de braços e lábios dados com outra mulher. Preferiu ele a tranqüilidade de atos pensados, a certeza das reações aguardadas e a ausência de beleza que provoca a uma mulher mais jovem, mais bela, mais pulsantemente intempestiva. Quisera ele a sorte de um amor tranqüilo. Quisera eu ter dado este passo antes.

***

Reapareceu como se tivéssemos nos visto ontem. Sorria e falava como sempre, porém já bastante influenciado pelo álcool. Caminhando juntos pela rua, madrugada alta, disse-me que imaginava-nos como um casal, que seria o máximo eu ser a garota dele. Que namoradas ele tinha e podia arrumar aos baldes (eu bem já sabia) mas que comigo seria diferente. Um papo meio de cafajeste mas que pela boca dele soava como a descoberta de um jovem rapaz. Saímos a beber, falar e nos procurar com mãos, línguas, pernas. Na manhã seguinte despediu-se com a mesma de sempre: "mais tarde eu passo lá". Não voltou até agora.

***

Não tínhamos contato há algum tempo, já. Depois de lhe contar sobre a viagem para a Europa e ele ter me dar uma força tremenda, voltamos a conversar dia desses. Disse-me que estava pensando em voltar a morar fora, que se tudo saísse conforme o esperado já deixaria o país com emprego certo do outro lado do oceano. Achei ótimo e para não perder o comentário ainda pedi uma boquinha dessas para mim. Meu espanto maior foi saber que, se tudo der certo para ele, também já saio daqui com o ganha-pão garantido. Um amigo me dizia, na seqüência: "é Deus quem está falando...você não pode mesmo mais viver aqui. Seu lugar é o mundo." Achei engraçado. Será mesmo que Ele quer me dizer algo?

28.4.08

Melodia

Sábado à tarde, sem trabalho a fazer e um convite irresistível para aproveitar o dia: show no Teatro Municipal. De graça. Tirando todos os inconvenientes desde tipo de programa (horário, fila, público heterogêneo), eu não podia dizer não. Ainda mais para ver e ouvir o artista que tanto já embalou nossos amores. Já do lado de dentro, contemplo com os mesmos olhos de admiração, que tinha em nosso primeiro encontro, este monumento vivo de arte e de história da nossa velha e judiada São Paulo. É como se o tempo, ali, houvesse parado e fosse possível reviver toda a magnitude de uma época de pujança. Sentei-me, acompanhada de amigas, e sem atrasos, ele começa. “Vamos passear na praça enquanto o lobo não vem” ecoa em meus ouvidos e me leva de volta ao início daqueles cinco anos. Uma sensação estranha percorre meu corpo...É a emoção de ouvi-lo ali, pertinho. É a chegada daquela avalanche de emoções e recordações tão bem guardadas lá embaixo, bem no fundo. Eu já esperava por isso e me deixei levar porque “sou forte feito cobra coral”. “Ai de mim, de nós dois”, pensei tantas vezes nas nossas rusgas que nunca chegavam a ser brigas. E assim fomos indo dia após dia, mês após mês, ano após ano. Mais eis que “fico manso, amanso a dor”, não é hora de debulhar-me. Talvez eu quisesse que você estivesse ali. Talvez. “O sol vermelho é o clarão do dia”, ele cantava “pra aquietar”. Uma leva alegria invadiu-me e tirou de cena um certo ranso e pôs na roda lembranças coloridas do nosso romance. Você cantava a letra errada, dançava desengonçado na sala. E eu ria. Achava-o bobo, mas você era o meu bobo, então estava tudo bem. E de tudo que passamos, felizmente “ninguém morreu, ninguém morreu”. Esta foi a certeza que me deu ânimo novo. Eu queria te dizer, naquela hora velha “tente passar pelo estou passando”, porque meu ciúme me fazia ver coisas, inventar situações, maltrava-me e, assim, mutilávamo-nos. “Pérola negra, te amo, te amo...” eu ouvia ele cantar na sala enquanto lavava a louça na cozinha, numa tentativa quase sempre frustrada de botar ordem na casa. Ou na gente. E então ele entoou “Super eu, Super eu”, que tanto você gostava de cantarolar, mesmo sem saber o resto da letra. Eu sempre achava graça. Ao final de muitas conversas eu me sentia mesmo “um caco de telha, um caco de vidro”, coisas da vida a dois. Quando enfim lembrei que aquele show era uma espécie de despedida de tantas coisas, agora que estou de partida para longe, escuto “Um dia volto digo, você não foi comigo/ Porque não leu o meu signo”. Será que realmente direi isso a você? E pra terminar, um forró. Meus ouvidos agradeceram. Meus lábios se rasgaram em sorrisos. Meu coração se ressentiu, mas ao final me perdoou. Meus olhos marejaram, mas não se precipitaram. Por dentro, talvez. Talvez eu quisesse que você estivesse lá, ouvindo as melodias que Melodia cantou para nós. Talvez eu quisesse...Talvez.

16.4.08

Cinco dias

"A viagem começa quando você sai de casa", me dizia um amigo assim que retornei da minha última andança. Havia saído de São Paulo, no sábado pela manhã, com destino à Argentina, para conhecer La Plata e a cidade de Buenos Aires. Não seriam muitos dias pois eu tinha que voltar ao trabalho, mas seria uma estada repleta atividades e novidades. Quando aterrizei em Ezeiza, recordo-me de ouvir o avião inteiro aplaudindo. Eu devia ser a única brasileira naquele vôo, lotado de argentinos da terceira idade. Desembarquei e logo vi que ele, aquele mesmo argentino que me viu e me tocou apenas uma noite aqui no Brasil, me esperava no saguão do aeroporto. Ele podia parecer louco para quem ouvisse a nossa história, mas para mim era apenas um menino apaixonado. Um menino que, no auge de seus 21 anos, foi meu estímulo para tirar o pé do chão em todos os sentidos. Uma hora de viagem e chegamos à La Plata. Entre vinhos, cervejas, empanadas, tartas e capoeira, aprendi muita coisa com os plantenses. Eles amam quase tudo que é do Brasil: a música, as cores, os ritmos, mas principalmente as pessoas. Há um cuidado especial com as pessoas que chegam e eu, com essa cor na pele e no gingado, me senti praticamente um acontecimento na cidade, habitada por quase que 100% de caucasianos. O mesmo motivo que me fez sair do país, transformou minha estada na Argentina numa aventura mágica. Ensinou-me sobre a cultura, os monumentos, a forma de se falar. Mais que um simples guia, ele foi meu travesseiro, meu amigo, meu amor. Em algumas horas cheguei a pensar que ele era como aquele anjo que caiu do céu, daquele filme. Foram 5 dias de romantismo e andanças. De doces, fotos e amizades. Quando entrei no ônibus que me levaria para o aeroporto argentino sem ele, senti um alívio. Afinal, eu finalmente estava sozinha depois de 5 dias de amor sem limites. Mas o alívio durou pouco...Trago no peito uma saudade imensa de tudo que lá vi e vivi. E desde que cheguei não páro de sentir vontade de voltar.

24.3.08

Portunhol

De longe já ouvia-se o batucar de tambores, acordes de violão e o tão característico soar do pandeiro. O grupo, famoso na noite paulistana pelo samba de qualidade que faz, tem seu público cativo e presente em todas as suas apresentações. Casa cheia e gente ainda por entrar. Do lado de dentro, com uma cachaça numa das mãos e na outra um copo de cerveja, eu me divertia cercada de amigos tão animados quanto eu. Ao olhar ao redor, vi uma máquina filmando tudo e do outro lado dela um rapaz sério, registrando cada movimento dos músicos. A ritmo fica mais acelerado, as pessoas dançam juntas, separadas, conversam e bebem animadamente, assim como eu. Um passo a mais lá está ele. Sem mais nem porque, o rapaz tão sério que filmava tudo estava ao meu lado querendo me conhecer. O sotaque soou familiar até eu perguntar de onde ele era e confirmar minhas suspeitas. "Soy argentino", dizia ele, com olhos de azul infinito e dentes quase tão brancos quanto a pele. Disse-me que estudava piano, percussão e praticava capoeira. Muitos beijos e algum portunhol depois teríamos de nos despedir. O vôo para La Plata saiu no domingo, depois de um adiamento feito por ele, na esperança de ainda nos vermos antes da sua volta. Só descobri uma semana depois, ao abrir minha caixa de mensagens e ver seus inúmeros e-mails. Nosso azar é que entre nós havia um Carnaval...

11.3.08

Babá

Sentada na sala de casa, uma menininha de oito anos assistia desenhos animados enquanto não chegava a hora de ir para o jardim. Na cozinha, a babá preparava o almoço e o pai a ajudava. Ambos conversavam animadamente, mas a pequena não queria saber de mais nada que não fossem as cenas coloridas de seus heróis da TV. Na hora do intervalo comercial, a menina quis tomar um pouco d´água e foi até a cozinha. Sem saber porque, ela resolveu que chegaria de mansinho, para assustar a ambos. Em seus ouvidos, antes repletos de risadas inocentes, algumas frases desconectas começaram a fazer sentido. Ao olhar para dentro da cozinha, viu a babá se aproximar do pai e dizer que só estava ali para ficar mais perto dele. O que se seguiu depois não foi visto pela menina, que voltou correndo para a sala, tomada por um medo enorme de estar fazendo algo de errado. Foi para a aula mas passou o dia a pensar no que ouvira e vira. Chegou em casa e resolveu contar para a mãe, porém da pior maneira possível: na frente de uma tia e do próprio pai. Este tirou-a rapidamente da sala, trancou-se com ela no banheiro e com uma cinta grossa nas mãos deixou bem claro que se ela voltasse a fofocar, o couro ia cantar no lombo dela. Chocada, a menina foi durmir mais cedo. A mãe nem ligou, ou fez que não, para o que a pequena contou. E eu percebi ali que meu pai não era melhor e nem pior que nenhum outro. Apenas igual.

9.2.08

Folias

O convite era claro: seriam 4 dias de internação em uma bela chácara no interior de São Paulo, com churrasco, piscina, bebidas e outros aditivos inclusos no pacote. Não foi preciso pensar muito para aceitar e já no sábado, pela manhã, eu chegava para iniciar a bagunça. Os dias eram longos: às 10h já tomávamos o café da manhã (suco de cevada) e íamos nesse embalo tarde e noite adentro. Entre uma parada para o banho e outras para o sexo, seguíamos na folia até 4, 5 da manhã. Os 4 dias viraram 6, com direito a ir trabalhar ainda cheirando a álcool. Na sexta-feira.

****

Era nosso segundo Carnaval na bela cidadezinha histórica. Reatamos a relação depois de um longo afastamento e tudo levava a crer que teríamos alguns dias de lua-de-mel regada à marchinhas carnavalescas. Mas uma simples ida ao mercado para a compra de cerveja desencadeou o que seria o novo fim da relação. Um ciúme quase doentiu aflorou da parte dele. Brigamos, discutimos, choramos. Pra terminar do jeito que tinha de ser: na cama.

****
Só por uma noite ficamos juntos. Só por uma noite falamos e escutamos um ao outro, fugimos do agito para prosear sob as estrelas na porta da igreja antiga. Só por uma noite eu vi um olhar que brilhava ao ouvir o que eu dizia, ao me mirar nos olhos e ao encontrar nos meus relatos tantas coincidências com as suas vivências. A chuva veio para ajudar. Era hora de procurar abrigo e ele arranjou um mais que perfeito. Chegando ao quarto dele, deitamos um de frente para o outro para continuar o papo. Foram tantos beijos quentes, mãos que se encontravam, peles que se sentiam só por uma noite...O tempo ruim e a vontade de ficar fizeram com que dormíssemos juntos. Propus a saudosa conchicha e ele aceitou. Só por uma noite senti-me desejada, querida e protegida como há muito tempo não sentia. A manhã veio com seu tempo ainda instável mas já era hora de voltar à realidade. Sem sexo, despedimo-nos à porta, e uma frase dele ficou a ressoar na minha memória. “Porque a gente só foi se encontrar na última noite?”. Coisas de Carnaval.

29.1.08

Guerreira

“Marta, Marta...”. O trabalhador repetia isso quando a via passar próxima à seu negócio de churrasquinhos, em plena madrugada. Toda noite ela passava por ali, sempre trajando saias curtíssimas, ou vestidinhos igualmente curtos, usando saltos muito altos, brincos extravagantes e pouca maquiagem. Muitas vezes apenas delineador de olhos e o chamativo batom vermelho. Os lábios, finos e um tanto ressequidos, traziam marcas de expressão nos cantos, sinais indeléveis do trabalho árduo. Via-a ali todas as noites. E o que sempre me chamou mais a atenção, além do corpo bem torneado, era a expressão triste e vaga de seus olhos. Uns olhos de alguém que não estava mais presente, que já havia se ido há muito tempo, mas que a circunstância e o corpo não deixavam partir de vez. Um ser intrigante. A passos ligeiros chegava com suas coxas grossas de fora a pedir ou pagar algo. “Peguei duas cervejas, são R$ 4,00, mais os R$ 6,00 que eu devia do uísque são esses R$ 10,00”. Mal pagava e já perguntava: “Lúcia, posso pegar mais uma branquinha pra pagar mais tarde”. Nunca vi ninguém recusando nenhum pedido seu. Depois de encher o copinho plástico do líquido ardente, saia a beber e caminhar, a passos igualmente apressados, para outro canto da praça. O trabalho ainda não havia terminado. “Quero chegar aos 58 com essa saúde!”. A revelação da idade atingiu-me como uma martelada. Marta. Uma guerreira de verdade.

24.1.08

Frio

O som do vento soprando do lado de fora da minha janela me trouxe lembranças tristes. De um tempo feliz que já ficou pra trás há tanto tempo. Era em noites como estas, de frio e vento forte, que eu o sabia ali, para esquentar-me. Saímos da faculdade com destino à casa dele, mais precisamente para debaixo daquele edredom velho e sujo. Podia fazer o tempo que fosse lá fora, mas lá dentro, junto daquele corpo, eu tinha a certeza de que nada podia me atingir. Nosso mundinho era tão restrito e tão perfeito que uma hora tinha mesmo de acabar.

***

Combinamos de nos ver naquela noite, afinal ainda tinha um presente esperando por ele. Antes do horário combinado ele apareceu e fomos prosear, num boteco diferente, tendo por companhia alguns chopps e um alentador caldinho de feijão. Eu podia esperar tudo daquele encontro. Beber e novamente dar em cima dele. Podia me irritar com alguma história dele com a nova namorada. Mas não. O imprevisível aconteceu e ele nunca foi tão bem-vindo. Eu, que jurava atravessar o Atlântico para poder esquecer um amor de outrora, percebi que não precisaria ir tão longe. O que antes ardia, desde aquela noite jazia em cinzas.

21.1.08

Presente de Natal

Numa visita despretenciosa, em plena tarde de segunda-feira, finalmente a primeira vez. Já haviam me falado dela, mas eu mesma ainda não havia experimentado. Entramos todos no salão e começamos a festejar. Ouve-se o primeiro desarrolhar de espumante, seguido de vários outros, em seqüência, e diversos tim-tins. Brotaram máquinas fotográficas, sorrisos, abraços apertados, de despedida, de confraternização. O salto alto que eu usava logo foi abolido e trocado por um chinelo bem confortável. A música pedia. O ambiente pedia. E minhas pernas também. E outras rolhas foram pululando, novas taças sendo preenchidas. Até uma Veuve Cliqot apareceu na festa. Mas então, o que era tão legal, foi se esvaindo, se acabando. As imagens começaram a se embaçar, a se embaralhar na cabeça, nas vistas. As pessoas foram se retirando. Metrô. Vertigem. Quadrados passando debaixo de rodas. Uma leve queimação no braço. A cama da casa da tia. Na manhã do dia seguinte, concluí que, aos 26 anos, em plena noite natalina, passara por meu primeiro coma alcoólico. Demorou, mas chegou.

4.1.08

Esse ano, quero paz pro meu coração
Quem quiser ter um amigo, que me dê a mão
O tempo passa
E com ele caminhamos todos juntos, sem parar
Nossos passos pelo chão vão ficar
Marcas do que se foi
Sonhos que vamos ter
Como todo dia nasce
Novo em cada amanhecer...

É hora de caminhar. Sempre em frente.

5.12.07

De mim

Às 22:49 sentei pram digitar. Difícil achar os dedos no teclado. Tudo fica leve, suave...vontade de deitar pra descansar...mas essas idéias me perseguem. Vontade de falar mim...

***

Quando vou ao banheiro, meu mijo tem cheiro de café com leite. É. Sempre que posso, começo o dia assim. Acho que tomando café com leite terei vontade de evacuar. Mas nem sempre acontece. Meu intestino não funciona bem em dietas...

***

Nunca foi estranho sentar sozinha num boetco. Mas hoje foi. Ainda mais na iminência da tua presença a qualquer instante. Eu podia simplesmente dar em cima dos diversos rapazes solteiros, mas não. Fiquei te esperando. Você tomou dois chopps e se foi. Fiquei para ir embora com a banda. Mas ainda me lembro do meu coração pulando, saltindo de ansiedade, ao ver ver você chegar. E a gente mal se falou...

***

Amo tanto você...Nunca nos vimos pessoalmente. Mas eu te amo. És um amigo valioso. Terapeuta daqueles bons, que nunca se acha vaga na agenda. Mas pra mim sempre tens um ouvido, um ombro. Há quilômetros de distância eu sinto a sua falta. Hoje mais que sempre...

***

Sempre fui viciada em masturbação. Chegava ao cúmulo de sentir dor. Somava, às vezes, 6 siriricas por dia. Às vezes, chegava a sentir dor. Mas não queria parar...Então troquei a brincadeira solitária por um lazer a dois. Troquei a dor física por outra. Será que saí ganhando? Ainda, às vezes, penso nisso.

***

"O mundo é bão Sebastião, o mundo é teu, Sebastião...a aão!"

14.11.07

A seco

Naquele gole de cerveja estavam todas as lágrimas que eu derramei por ele enquanto ouvia aquela canção. "Tristeza, por favor, vá embora".

24.10.07

Anúncio

Eu sabia o que ele queria quando me convidou para tomar um chopp em pleno domingo à tarde. Aceitei, claro. O dia estava ótimo, perfeito para bebericar. Procuramos o bar perfeito. Nos sentamos, um de frente para o outro. Durante alguns minutos ele se manteve calado, apenas me olhando, ora com ansiedade, ora com sofreguidão. A mão esquerda alcançou a minha direita, sobre a mesa. Os dedos começaram a alisar minha mão. De repente a pressão foi aumentando e o que era prazeroso passou a ser incômodo. Nenhuma palavra ainda. O nó em sua garganta foi aumentando a tal ponto que estava quase visível. O garçom chegou com as duas taças. “A nós”, ele disse, finalmente, erguendo um brinde. Encarou-me com seriedade e emendou a conversa que nos levara até ali. Eu imaginei que soubesse de tudo. Até que ele me disse estar saindo com uma garota que conhecemos em nossa última viagem. Senti uma vertigem nas idéias, um calafrio. Uma lágrima se congelou nos olhos enquanto eu dizia que imaginava o conteúdo da conversa. E aí ele arrematou com um “foi você quem deu meus telefones para ela”. Então nosso chopp e nosso tempo haviam terminado ali. Saí em direção a meu outro compromisso porque afinal...a vida tinha que continuar.

"É bom olhar pra trás
E admirar a vida que soubemos fazer
É bom olhar pra frente
É bom, nunca é igual
Olhar, beijar e ouvir cantar um novo dia nascendo
É bom e é tão diferente
Eu não vou chorar
Você não vai chorar
Você pode entender
Que eu não vou mais te ver
Por enquanto
Sorria e saiba o que eu sei
Eu te amo
É bom se apaixonar
Ficar feliz
Te ver feliz me faz bem
Foi bom se apaixonar
Foi bom, e é bom e o que será
Por pensar demais eu preferi não pensar demais
Dessa vez
Foi tão bom e por que será?
Eu não vou chorar
Você não vai chorar
Ninguém precisa chorar
Mas eu só posso te dizer
Por enquanto
Que nessa linda história os diabos são anjos
Eu não vou chorar
Você não vai chorar
Você pode entender
Que eu não vou mais te ver
Por enquanto
Sorria e saiba o que eu sei
Eu te amo .."


(Dessa vez - Nando Reis)

16.10.07

Um ano

Sim, eu confesso: esqueci. Andei tão absorta em trabalho, novos compromissos assumidos e baladas que simplesmente esqueci do seu primeiro aniversário. Olhando para traz, vejo que você refletiu todas as minhas nuances com precisão quase cirúrgica: uma rápida – e jamais repetida, felizmente – incursão na poesia, as músicas que disseram o que eu tanto queria dizer em determinados dias, meus prantos, meus cantos e meus atos mais homéricos. Você contou para todo mundo quando pensei em atentar contra mim mesma, que saí da cama com vontade de fazer sexo sem compromisso, que bebi e dei vexame. Contou também quando me apaixonei, quando me estrepei, quando fiz bobagem, bobagem e mais bogagem. Ah, tantas aventuras... O saldo é sempre positivo. Sinto-me mais maleável para certas situações e pessoas, para outras continuo a mesma e para as que restam talvez eu tenha piorado. Enfim, foram 365 dias de muitas emoções, cores, dissabores e aprendizado simultâneo. Você me ensinando a me ver. Eu te contando o que é viver e nós juntos, sempre. E cá estou novamente a celebrar uma primavera. Que não é minha, mas tua. Parabéns atrasado (já que o que importa é a intenção). E se daqui a mais 365 eu não estiver mais por aqui, desde já fica o meu abraço. Valeu, blog.